“Casino” de Martin Scorsese foi lançado hoje há 30 anos (em 22 de novembro de 1995), e não tenho nenhum problema em dizer que acho que é uma obra-prima de Scorsese. Mas eu não disse isso, nem nada parecido, quando revi o filme pela primeira vez. E eu estava longe de estar sozinho. Quando “Casino” foi lançado, provocou uma resposta mista, tanto por parte da crítica como do público. E acho que é fácil perceber porquê. Embora repleto do virtuosismo de Scorsese, o filme parecia quase consciente demais de sua própria bravura. Para muitos de nós, era deslumbrante de uma forma ligeiramente destacada e até opaca.
O filme marcou o retorno de Scorsese ao modo de conversa rápida e brilhante do docudrama da Máfia em que ele foi pioneiro cinco anos antes com “GoodFellas” (ambos os filmes foram baseados em livros de não ficção de Nicholas Pileggi, com roteiros de Pileggi e Scorsese). “GoodFellas”, apesar de toda a sua brutalidade, era um filme adorado, porque as pessoas pensavam nele como um passeio pelo lado negro. “Casino” era mais frio, mais longo (três horas!), menos identificável, mais repleto de informações do submundo, e tinha um herói, o implacável Sam “Ace” Rothstein, jogador de esportes que virou operador de cassino em Las Vegas, de Robert De Niro, com quem não era exatamente fácil de se aconchegar. Na época, “Casino” impressionou muita gente, inclusive eu, como mais do que “GoodFellas” e menos. Parecia visivelmente pesado com a ambição de Scorsese de superar o que ele havia feito antes.
E foi assim que pensei nisso durante quase três décadas – pelo menos, até que o vi novamente há alguns anos, e o que aconteceu me pegou de surpresa. O filme me surpreendeu.
Fiquei hipnotizado desde os momentos iniciais: os créditos alucinatórios das luzes de Las Vegas, a onda irônica de “St. Matthew Passion” de Bach na trilha sonora quando Ace, em sua jaqueta rosa, entra no carro quadradão dos anos 70 que explode, e a hipnótica sequência estendida em que Ace explica em narração como o cassino funciona, e a câmera apressada de Scorsese parece estar em todos os lugares ao mesmo tempo, disparando pelas salas de jogos do Tânger, levando-nos de volta à sala de contagem para nos mostrar como funciona o skim, mapeando os traficantes e os gangsters e os idiotas e os chefes em Kansas City, canalizando a emoção da aposta, mostrando-nos em detalhes, mas também nos informando sobre o quadro geral, que é que tudo é uma grande ilusão, porque no jogo legalizado há (como diz Ace) apenas um vencedor, e são os donos do cassino. Todo mundo os está alimentando.
O que me chocou, desta vez, é que a qualidade hipnótica daquela sequência de abertura não diminuiu. Fiquei ali sentado, fascinado, durante todo o filme, mergulhando nas nuances de uma maneira que não tinha feito antes, vendo como tudo se encaixava: o estilo impecável e os modos ameaçadores de Ace, a maneira maníaca por controle de administrar o cassino, e a fome dentro dele que está impulsionando tudo; a imprudência e a astúcia de Nicky Santoro, de Joe Pesci, que é como uma variação mais rica e fascinante de seu Tommy DeVito em “GoodFellas”; e a maneira como Sharon Stone, interpretando a apaixonada interesseira Ginger McKenna, apresenta uma atuação dilacerante que é nada menos que extraordinária, mostrando como Ginger pode ser astuta e obscena, mas também humanizando o dano que a causa. O filme começa como um psicodrama do sindicato do crime e desce para um submundo escandaloso “Cenas de um Casamento”. E o rock’n’roll! Se for difícil destacar qualquer gota de agulha (embora a montagem “Can’t You Hear Me Knocking” seja simplesmente inegável), é porque Scorsese agora tece aqueles clássicos dourados em uma colagem de sonho, orquestrando o filme como uma jukebox que nunca para de embaralhar.
Então, o que mudou para mim? O que eu e muitos outros fãs de Scorsese perdemos na primeira vez? Acho que “Casino” foi vivenciado demais pelas lentes de “GoodFellas”. Esse filme foi uma obra de perfeição lendária (embora eu nunca tenha abalado a sensação de que Ray Liotta foi mal escalado); tinha uma exuberância cheia de adrenalina que o tornou um filme violento de festa da máfia. “Casino”, em comparação, parecia uma festa com a felicidade gelada. No entanto, isso é como dizer que “Macbeth” não é “Hamlet”. Se você esquecer “GoodFellas”, “Casino” lança seu próprio feitiço assustador. É uma visão de como será quando a febre do dinheiro se torna a força vital. O filme quase poderia ser chamado de “Dinheiro”, porque essa é a obsessão que desanima todos os envolvidos.
Ao mesmo tempo, é o drama mais sombrio da Máfia de Scorsese. Quando você assiste aos grandes filmes do submundo de Scorsese, desde “Mean Streets” (1973), há um paradoxo embutido em cada um deles. Scorsese, nas próprias células do seu ser cinematográfico, quer viver nesses mundos, sentir tão intensamente quanto os personagens sentem. Ele é um racionalista santo que quer tocar o fogo. No entanto, ele também quer demonstrar o preço – mostrar-nos que não vale a pena. E ele nunca raspou o verniz do submundo de forma tão definitiva como faz em “Cassino”. É isso que torna o filme não apenas uma obra-prima, mas também tão ameaçador. É o cálculo mais impiedoso de Scorsese sobre o salário do pecado.



