O cineasta belga-ruandês Jonas d’Adesky (“Twa Timoun”) traz seu último longa, “Kwibuka, Remember”, para o Festival de Cinema do Mar Vermelho, um drama inspirado em questões de identidade e no impacto de longo prazo do genocídio de Ruanda em 1994. O filme segue Lia, uma jogadora profissional de basquete belga-ruandesa criada na Europa, que retorna a Ruanda para jogar pela seleção nacional e se vê confrontada com uma história familiar que nunca compreendeu totalmente.
D’Adesky diz que o projeto nasceu de sua própria experiência de navegação entre duas culturas. “Eu queria falar sobre esse sentimento de viver em um lugar, mas estar ligado a um segundo país, esse desejo que as pessoas têm de se reconectar, de conhecer e entender.” Ele acrescenta que retratar o Ruanda para além da sua narrativa mais familiar foi igualmente importante. “Ruanda muitas vezes tem esta imagem de genocídio que é muito prevalente”, diz ele. “Queria fazer um filme que se passasse hoje e que mostrasse não só essa história, mas o país em geral, a sua energia, a sua vitalidade, e que estivesse fora dos clichês.”
À medida que Lia se adapta ao mundo da equipa, D’Adesky constrói uma estrutura narrativa que reflecte o seu crescente sentido de identidade. “O filme é realmente construído em duas linhas”, explica ele. “Há um momento em que ela percebe que parte do que ela imaginava sobre seu passado não é verdade. Isso a leva a uma espécie de busca. E há uma ressonância entre o que acontece no torneio e o que acontece em sua busca pessoal.”
Para a atriz franco-ruandesa Sonia Rolland, que interpreta Lia, interpretar alguém tão desconectado do país revelou-se um desafio incomum. “Tive que construir tudo”, diz ela. “Nasci em Ruanda, conheço o idioma, vou lá várias vezes por ano. Mas Lia saiu muito cedo, em condições dramáticas, sem conhecer sua história. Ela tem tantas dúvidas.”
O filme inclui cenas filmadas em memoriais e criptas subterrâneas, que ainda abrigam os restos mortais das vítimas, espaços que levaram Rolland a navegar na linha entre a personagem e ela mesma como uma mulher ruandesa. “Foi confuso. Eu não sabia se era a atriz ou a mulher que estava se expressando”, diz ela. “Isso criou cenas muito fortes e muito reais.”
Para D’Adesky, essa indefinição das linhas emocionais reflete uma das ideias centrais do filme. Ele descreve “Kwibuka, Remember” como um trabalho sobre como o passado e o presente se cruzam continuamente. “A particularidade do genocídio é precisamente o facto de os seus efeitos durarem muito, muito tempo”, diz ele. “Continua presente em algum lugar, o que impacta o presente hoje.” Através do filme, ele procurou explorar como essas repercussões atravessam as gerações.
Tanto D’Adesky quanto Rolland dizem que o filme também reflete a história mais ampla de reconstrução de Ruanda nas décadas desde o genocídio. Sobre a questão da reconstrução, D’Adesky afirma: “Ela deve ser reconstruída pelos ruandeses e não por alguém que virá de fora”, traçando um paralelo entre a jornada de Lia e o próprio processo de recuperação do país.
Rolland acrescenta que muitos públicos ainda subestimam a escala da transformação do Ruanda. “As pessoas não conseguem imaginar o quanto isso exigiu força e vitalidade do povo de Ruanda”, diz ela. “Através da pequena história de Lia já entendemos a grande história de Ruanda.”
O título do filme, “Kwibuka”, a palavra Kinyarwanda para o período anual de lembrança, surgiu apenas no final da edição, diz D’Adesky, mas no final das contas parecia inseparável da história. “Você vê a palavra em todos os lugares durante a comemoração”, diz D’Adesky. “Aos poucos encontrei algo de poético na ideia de memória e na viagem que ela faz. O duplo título também ressoa com a ideia de dupla identidade.”
Grande parte do filme foi rodado em Ruanda, com cerca de 80% da equipe oriunda do crescente setor de produção do país, um marco para a indústria local. “É o maior filme ruandês rodado no país com uma equipa ruandesa”, diz D’Adesky. “No início foi complicado, mas aos poucos houve uma verdadeira progressão.” Ele diz que construir o projeto em Ruanda sempre fez parte de sua intenção. “Além do que o filme pode se tornar, isso já é uma espécie de sucesso.”
Rolland vê a produção como parte de uma mudança cultural mais ampla. “Isso mostra que somos capazes de fazer filmes que refletem a evolução do país”, diz ela. “Existe agora uma vontade de apoiar projetos culturais e que o Ruanda é um destino seguro e possível para fotografar.”



