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Por que ‘O Mágico de Oz’ ainda lança um feitiço tão perverso? Porque foi o filme que primeiro virou o patriarcado de cabeça para baixo

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Por que 'O Mágico de Oz' ainda lança um feitiço tão perverso? Porque foi o filme que primeiro virou o patriarcado de cabeça para baixo

“Wicked”, o musical de palco, estreou-se pela primeira vez há 22 anos. O romance em que se baseia, “Wicked: The Life and Times of the Wicked Witch of the West”, foi publicado em 1995. Tudo isso aconteceu bem antes da revolução #MeToo. No entanto, nos anos que se seguiram ao início dessa revolução (pode datá-la da semana de Outubro de 2017, quando a história de Harvey Weinstein foi divulgada), uma das muitas formas que a nova consciência feminista assumiu foi aproveitar histórias de mulheres do passado e “reformulá-las”, só que agora com uma compreensão mais esclarecida de tudo o que essas mulheres realizaram (e das probabilidades que enfrentaram).

Poderíamos estar falando de uma cientista espacial como Dana Ulery, de uma política como Shirley Chisholm ou de Britney Spears. E “Wicked”, com um desafio travesso que antecipou o projeto #MeToo de reconfigurar os pecados da história, ousou colocar a Bruxa Má do Ocidente naquela companhia sagrada. Dizia: Ela foi mal julgada, mal compreendida, mal retratada. Como um musical de palco e um luxuoso filme de Hollywood em duas partes, culminando no recém-lançado “Wicked: For Good”, que funde imagens psicodélicas de confeitaria com conflito e transcendência fraterna suficientes para fazer muitos de nós desmaiar, “Wicked” apresenta-se como a história de fundo de “O Mágico de Oz”. Mas também parece desafiar “O Mágico de Oz”, olhando-o do ponto de vista da luta e da libertação feminina do século XXI.

Há uma razão pela qual “O Mágico de Oz” é exclusivamente adequado para esse tratamento de ângulo reverso. Certamente, é um dos filmes mais transportadores já feitos. No entanto, o que há em “O Mágico de Oz” que nos fala com tanta atemporalidade mitológica? Tendemos a pensar nisso em termos das imagens impressionantes do filme (nenhum filme de ficção científica e nenhum CGI pode se igualar ao esplendor torto da aparência da terra de Oz), suas performances gravadas no tempo, a estranheza mal reprimida de tudo isso, toda a atmosfera de sonho do backlot do MGM-on-mushrooms, sem mencionar a incandescência singular de “Over the Rainbow”.

Por trás de sua superfície cantada, porém, o que permanece assustador em “O Mágico de Oz” é que o filme revela uma cosmologia surreal de inversões de papéis de gênero de pernas para o ar. Simplificando, é a primeira visão do patriarcado de Hollywood…que ousa imaginar um mundo depois do patriarcado. E é por isso que em “Wicked”, “O Mágico de Oz” se mostra tão maduro para “reenquadramento”. É um filme que reformula a sociedade – e se reformula – mesmo enquanto você o assiste.

Na região empoeirada em preto e branco do Kansas, a quintessência da velha América “comum”, a Dorothy de rabo de cavalo de Judy Garland vive em uma fazenda com sua tia Em e seu tio Henry, cercada por excêntricos como a malvada Srta. Gulch e o charlatão Professor Marvel. Mas quando ela chega a Oz, o que ela descobre não é apenas uma terra de Munchkins tagarelas e decoração Technicolor ácida. Ela descobre… uma estrutura de poder radicalmente diferente.

Duas mulheres se avultam, como deusas do bem e do mal: a aristocrática Glinda, de Billie Burke, chegando dentro de uma bolha de sabão gigante, e a hipnoticamente fervilhante Bruxa Má do Oeste, de Margaret Hamilton, uma das três ou quatro imagens mais maduras do mal que um filme de Hollywood já nos deu. (Quais são os outros? De imediato, eu diria Sr. Potter em “É uma vida maravilhosa” e Darth Vader.) Essas mulheres dominam o poleiro, dando o tom para o que “O Mágico de Oz”, sob suas cores brilhantes e sua história de conto de fadas, realmente é: a primeira visão radical de Hollywood do matriarcado.

E aqui está o truque de tudo isso. A terra de Oz não se apresenta como um matriarcado. A figura mais poderosa do reino é um homem: o Maravilhoso Mágico de Oz. Todo mundo menciona seu nome em tom de admiração. A majestosa Glinda se submete a ele. Até a imperiosa Bruxa Malvada se sente intimidada por seu poder. Portanto, a terra de Oz, em forma, é um patriarcado tradicional.

Exceto que não é. Porque o que finalmente aprendemos é que “o Mágico de Oz” não existe. Esse monarca patriarcal iminente é uma ilusão, um holograma vislumbrado através da fumaça e do fogo. Glinda e a Bruxa Má do Oeste são realmente as duas figuras mais poderosas de Oz. E à medida que você olha mais de perto para o extraordinário desempenho de Margaret Hamilton como a Bruxa Má, outro nível dessa paisagem fantasmagórica se instala, uma espécie de devaneio submerso de identidade.

O que há na Bruxa Má que é tão assustador e hipnotizante? É que Hamilton investe nela com um visual e uma energia que funde o masculino e o feminino. O filme está nos contando, de uma forma de pesadelo, o que vai assustar as pessoas em relação ao matriarcado: a ansiedade primordial de que as mulheres irão incluir e substituir os homens. Esse medo se afirma no olhar homicida da presença de Hamilton. A missão dos sonhos da Bruxa Má é assassinar a feminilidade (“Minha linda!”).

Mas isto, na verdade, é uma perversão do que é o verdadeiro matriarcado. A versão mais esclarecida é a apresentada por Dorothy e seus três amigos: o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão Covarde, todas visões de homens que tiveram seu poder tirado. No entanto, o amor deles por Dorothy é real; é nisso que se torna o poder deles – o desejo de transcender seu eu idiota, protegendo-a.

O que tudo isso significa é que “O Mágico de Oz”, disfarçado de um musical de fantasia kitsch de Hollywood dos anos 1930, está realmente nos apresentando uma visão alucinatória e alucinante de um futuro que é feminino – um onde os velhos governantes patriarcais, como o Mágico, são fachadas esperando para serem derrubadas, onde a paixão das mulheres (boas e más) exerce um poder muito maior, e onde caras comuns, tentando melhorar a si mesmos (melhorando seus cérebros, corações, e valor), existem para servir e defender a heroína adolescente transcendentemente emotiva que pousou no meio deles. No final, é claro, ela volta para o Kansas. Mas então ela estará pronta para governar.

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