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O thriller psicológico brasileiro ‘Fuse’ explora a polarização política pós-Bolsonaro para explorar o dilema ético em torno de um crime horrível

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O thriller psicológico brasileiro ‘Fuse’ explora a polarização política pós-Bolsonaro para explorar o dilema ético em torno de um crime horrível

“Fuse” (“Precisamos Falar”), de Pedro Waddington e Rebeca Diniz, começa com uma sequência horrível: três primos adolescentes assediam um imigrante desabrigado que dorme em um caixa eletrônico. As consequências do arrepiante ato que se segue orientam o dilema ético que está no cerne de sua estreia no longa, em competição no Festival Ibero-Americano de Cinema de Huelva.

Estrelado por dois dos atores mais populares do Brasil, Marjorie Estiano (“Sob Pressão”) e Alexandre Nero (“Império”), o thriller psicológico é inspirado no romance best-seller de Herman Koch “O Jantar” e adaptado para as telas por Sérgio Goldenberg e George Moura para a principal produtora brasileira Conspiração Filmes. Começa com o crime chocante para narrar as diferentes reações dos dois pares de pais das crianças envolvidas, um casal conservador de classe média e uma dupla muito mais rica que inclui um político candidato a governador.

Falando com a Variety antes de Huelva, os diretores lembram que ingressaram no projeto pela primeira vez depois que Andrucha Waddington (“A Casa de Areia”, “Vitória”) recusou devido a conflitos de agenda. O veterano então entrou como produtor, com Diniz e Pedro Waddington trabalhando no roteiro já existente ao lado da equipe de roteiristas para torná-lo “mais próprio”.

“Foi um projeto um pouco incomum para um primeiro filme porque tivemos que nos apropriar do roteiro o suficiente para que parecesse que era nosso projeto também”, diz Waddington. “O projeto também foi concebido como um filme híbrido para funcionar tanto no cinema quanto na TV, por isso veio com algumas diretrizes e uma linguagem específica. Tentamos traduzir o que estava na página para a nossa própria língua. Sergio, o roteirista, foi incrivelmente generoso nesse processo e conseguiu fazer com que o filme parecesse nosso, e não apenas como um pistoleiro contratado.”

A dupla de diretores trabalhou junta pela primeira vez na série processual de sucesso do Globoplay, “Sob Pressão”, onde também trabalharam com Estiano e Andrucha Waddington. “Nosso trabalho na série nos permitiu ganhar a confiança da Conspiração para assumir esse projeto”, diz Diniz. O diretor destaca como a linguagem do cinema e da televisão está cada vez mais interligada, permitindo que os criativos sejam mais flexíveis na hora de projetar.

“Acho que as séries estão adotando cada vez mais a linguagem do cinema, vemos hoje grandes nomes do cinema fazendo televisão porque não é algo que só o mercado quer, mas o público também”, acrescenta. “Acho que precisamos conversar sobre a regulamentação dos streamers, mas isso fica para outro dia. Por enquanto, acho interessante como podemos ter diferentes linguagens e formatos disponíveis para nós de forma criativa como diretores.”

O trabalho da dupla em “Under Pressure” também viria a influenciar a sonoridade de “Fuse”, diz Diniz. “Nosso primeiro trabalho com ‘Under Pressure’ falou muito com a sociedade brasileira através de um formato de drama social, e ‘Fuse’ não está longe dessa ideia de ter o cinema em diálogo direto com a sociedade. Estamos interessados ​​nesse tipo de profundidade e investigando a natureza humana.”

Questionado sobre como eles se sentiram ao entrar no gênero, Waddington disse que a adaptação chegou até eles já embalada como um thriller psicológico, mas eles decidiram aproximá-la da sátira social. “A personagem de Marjorie traz à tona essas ideias ridículas como argumentos para salvar seu filho, e é tudo um pouco cômico. Ao mesmo tempo, permanece realista porque existem pessoas como as da tela. Superprotetores, pais agressivos, eles estão por aí, então queríamos misturar esses elementos no filme.”

O tom do filme se presta a discussões éticas complexas, não apenas sobre o crime e suas consequências, mas também sobre a atual situação política do Brasil. Embora acene para a polarização política de um Brasil pós-Bolsonaro, o filme nunca aborda abertamente o ex-presidente do país e a sua retórica de direita adotada, que viria a dividir famílias e amigos em todo o país nos anos desde o seu mandato.

“Um dos principais pontos fortes do filme é que a discussão no centro da narrativa não é sobre esquerda ou direita”, diz Waddington. “Não se trata exatamente de política, mas de polarização, aqui representada por essas duas famílias. Esse desmoronamento familiar por causa da política está muito presente hoje. Quando se trata de conflito entre os pais, as posturas ficam mais obscuras. As pessoas deixam de acreditar em seus valores para salvar seus próprios filhos.”

Diniz ecoa esse pensamento: “Quando as crianças estão envolvidas num crime, as ideologias perdem o seu lugar para interesses e privilégios pessoais. Estas tensões entre a política de esquerda e de direita têm como pano de fundo este grande dilema ético. Há um espaço para as pessoas realmente se colocarem no lugar destes personagens e se perguntarem se seriam ou não éticos nesta situação”.

Quanto à escolha de “Fuse” para disputar a competição em Huelva, Diniz diz que é “uma conquista por si só”. “Significa poder abrir um diálogo direto entre o nosso trabalho e um público exigente e diversificado de cinéfilos. É importante levar essas conversas sobre a sociedade e o cinema brasileiro para espaços internacionais. Dessa forma, podemos ter um impacto além da tela do cinema.”

“O Brasil vive um momento incrível, ganhando grandes festivais e grandes premiações”, acrescenta Waddington. “É ótimo quando se trata de chamar atenção e visibilidade para o nosso cinema.”

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