O Conselho Nacional de Cinema da França está dobrando sua aposta na Ásia à medida que a região emerge como uma força criativa vital em um cenário de entretenimento global em mudança, disse o presidente da CNC, Gaetan Bruel, à Variety.
Falando no Taiwan Creative Content Fest em Taipei, onde a França chegou com a sua segunda maior delegação de 80 profissionais depois da Coreia, Bruel descreve uma estratégia ambiciosa que posiciona a França e a Europa como potências criativas em ascensão.
“O fato de haver uma crise em curso em Hollywood não é uma boa notícia para ninguém, porque precisamos dos filmes deles”, diz Bruel. “Mas durante demasiados anos pensámos principalmente na forma como os EUA organizavam o ecossistema global. O que está a acontecer agora é que a Europa está a crescer como uma potência cultural e criativa.”
O chefe do Centre National du Cinéma et de l’Image Animée (CNC) aponta resultados concretos: este ano, um terço dos 86 filmes inscritos para a categoria internacional do Oscar foram coproduzidos pela França, com mais de 20 financiados diretamente pelo CNC. O sucesso decorre de 80 anos de trabalho que fizeram da França a terceira maior bilheteria do mundo, depois dos EUA e da China, subindo do quinto lugar, e o principal mercado de streaming da Europa.
Taiwan emergiu como um parceiro-chave no pivô da França em direção à Ásia, particularmente na realidade virtual. A colaboração começou há seis anos, quando a CNC e a Taiwan Creative Content Agency (TAICCA) reconheceram uma sinergia natural: a experiência em hardware de Taiwan combinada com a liderança de conteúdo da França.
“Taiwan é o território líder em hardware, em tecnologia, então faria muito sentido que eles aproveitassem isso, para serem também um território líder em termos de conteúdo”, explica Bruel.
A parceria rendeu resultados importantes. A HTC se voltou para a RV após essas discussões, e Taiwan ganhou recentemente o prêmio principal na competição de RV do Festival de Cinema de Veneza com “The Clouds Are Two Thousand Meters Up”, de Singing Chen. A própria França ganhou o maior número de prêmios internacionais em festivais de RV nos últimos 15 anos.
Uma coprodução franco-taiwanesa entre Pascal Breton da Federation Entertainment e o criador de “The Bureau” Eric Rochant, anunciada no TCCF no ano passado, continua avançando. A série representa um projeto ambicioso para ambos os territórios.
“Não se trata apenas da continuidade de ‘The Bureau’ – a mesma atmosfera, os mesmos tópicos – mas também de como diferentes culturas, uma de Taiwan, uma de França, podem ser fundidas num sucesso futuro global”, diz Bruel, que trabalhou em “The Bureau”.
Além dos projetos individuais, a CNC está ajudando a posicionar Taiwan como um centro de coprodução que pode trabalhar com vários países, não apenas com a França. Na animação, onde Taiwan serviu durante muito tempo como sistema de produção de fornecimento de conteúdo estrangeiro, a França está agora a apoiar o desenvolvimento da propriedade intelectual taiwanesa. A principal escola de animação francesa, Gobelins, fez parceria com o ecossistema taiwanês.
A Indonésia representa outra grande oportunidade. Embora a frequência teatral global tenha caído 40% entre 2019 e 2024, a da Indonésia cresceu 55%, impulsionada pela migração urbana e pela popularidade dos filmes de terror indonésios.
Após a visita de Estado do Presidente francês Macron em Maio, Bruel viajou para a Indonésia em Julho para desenvolver uma estratégia multipilares. A CNC enviou uma missão especializada a Jacarta sobre preservação de filmes, abordando a necessidade urgente de salvar arquivos analógicos à medida que a experiência digital substitui as habilidades tradicionais.
“O modelo francês não custa nem um único euro ao Estado, porque é um modelo que depende apenas da dinâmica do mercado”, diz Bruel, explicando como a França financia o seu ecossistema cinematográfico através de uma taxa de 10% sobre bilhetes de cinema e assinaturas de streaming, em vez de orçamentos governamentais diretos.
O objectivo é ajudar a Indonésia a construir audiências nacionais para o seu cinema aclamado em festivais, que actualmente luta para competir com filmes americanos e chineses em multiplexes locais. A CNC está explorando parcerias em redes de cinema de arte e programas de educação cinematográfica.
A educação cinematográfica representa um elemento crucial da estratégia internacional da França. Em Taiwan, a CNC trabalhou com a Fundação Fubon há 13 anos para desenvolver um programa nacional de educação cinematográfica inspirado na abordagem francesa.
“A França não trata apenas do cinema como negócio ou apenas de entretenimento, trata-se do cinema e da imagem em movimento como cultura, como forma de emancipar as pessoas, de empoderar os países”, diz Bruel.
Ele identifica um paradoxo global: as pessoas passam mais tempo nas telas do que nunca, mas menos tempo assistindo filmes e séries, à medida que o público muda para plataformas sociais e gratuitas. Isto ameaça os modelos de conteúdo premium enquanto a pirataria ressurge.
“O cinema está ameaçado pela nossa relação com as telas, mas ao mesmo tempo é o remédio, é a solução”, diz Bruel. “Hoje, trata-se de reinventar o cinema.”
A emergência da Europa como potência criativa decorre, em parte, da directiva AVMS, que criou obrigações de investimento contínuo em 16 países nos últimos cinco anos, com mais 10 a considerar a sua implementação. A França foi uma das primeiras a exigir que os serviços de streaming investissem uma percentagem das receitas locais em conteúdo nacional.
A abordagem contrasta com o mercado dos EUA, onde os streamers não enfrentam tais obrigações.
Além de Taiwan e da Indonésia, a CNC está desenvolvendo ativamente parcerias com o Japão, a Coreia e a China. “A China também é um grande tema para nós”, observa Bruel.
A delegação francesa do Taiwan Creative Content Fest abrange vários setores, incluindo a principal distribuidora independente Carlotta Films, que recentemente reavivou o interesse pelos filmes do falecido autor taiwanês Edward Yang por meio de novos lançamentos e publicações, bem como pelas principais empresas e festivais de VR, incluindo Annecy.
“Não acreditamos apenas no cinema francês”, diz Bruel. “Ainda mais importante, acreditamos numa ideia universal do cinema e da imagem em movimento.”



